quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Que Sentido de Objectividade?

“Um texto, uma vez separado do seu autor e das circunstâncias concretas da sua enunciação, flutua no vácuo de um leque potencialmente infinito de interpretações possíveis”. (Eco, 1992, p.41)[1]


[1] Eco,Umberto. (1992) Interpretation and Overinterpretation, 1ª ed. Cambridge, Cambridge University Press.


De que forma é que a reconstrução discursiva do real poderá ser objectiva, subjectiva, ou até, intersubjectiva?

A ideia de que não existe um sentido preciso na análise de qualquer texto, e de que as palavras denotam significados diferentes para quem as lê ou ouve, foi uma temática desenvolvida no que diz respeito ao estudo sobre o discurso. A certeza de que a linguagem tem uma estrutura específica e de que o estabelecimento do seu real valor depende da relação existente entre as palavras e a sua estrutura, foi um dos conceitos introduzidos por Ferdinand Saussure, na sua Obra Cours de Linguistique Générale:

“A língua é um sistema no qual todos os termos são solidários e o valor de cada um só resulta quando na presença simultânea dos outros.” (Saussure, 1995, p.159)[1]

A evidente incapacidade das palavras em expressarem o real e o duplo significado, que cada pontuação ou expressão podem ter, em virtude da forma como são percepcionados por culturas distintas, mostra que o apelo a um jornalismo objectivo já não faz sentido, quando se visa fazer acreditar que os factos falam por si, e que os jornalistas se limitam ao seu relato de uma forma imparcial, quando isso, na realidade, não acontece.
Em 1948, David Krech e Richard Crutchfield estabeleceram o conceito de que a percepção é funcionalmente selectiva e que a apreensão das manifestações do real está sujeita a um elevado grau de distorção:

“Ninguém capta tudo o que existe ‘lá fora’ (…) as pessoas organizam cognitivamente a percepção em função de determinados estímulos, que incluem as suas necessidades, o seu estado de espírito, e a sua cultura.” (Kretch e Crutchfield, 1977, p.242)[2]

Ainda que pareça claro, que a percepção de cada indivíduo, influencia directamente a sua forma de apreender o real, é interessante pensar no princípio que fundamenta a ideia de objectividade, o qual advoga que a separação dos factos dos valores, e as informações das opiniões, constitui o percurso certo para chegar à verdade e à descrição dos acontecimentos de uma forma distanciada. No entanto, se por um lado o distanciamento e a imparcialidade, característicos da objectividade jornalística, poderão servir como forma de credibilizar uma qualquer componente discursiva, a verdade é que também a falta de rigor inerente às estruturas discursivas tem a sua origem no carácter arbitrário e convencional da língua. 


Para Émile Benveniste, por exemplo, “o fundamento da subjectividade está no exercício da língua”, sendo que, “é na linguagem que o homem se constitui como sujeito, porque só a linguagem funda a realidade, na sua realidade que é a do ser” (Benveniste, 1973, p. 259-262).[3]


Afinal, que moral de objectividade? Qual o 'verdadeiro chão' da realidade?


[1] Saussure, Ferdinand. (1995) Cours de Linguistique Générale, 4ªed. Paris, Éditions Payot & Rivages.
[2] Kretch, David e Crutchfield, Richard. (1977) «Perceiveing the World» in Wilbur Schramm e Donald Roberts, The Process and Effects of Mass Communication, Urbana, Illinois University Press.
[3] Benveniste, Émile. (1973) Problèmes de Linguistique Générale. 1ªed. Paris, Éditions Gallimand.