quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Listening to Noise


“Now we must learn to judge a society more by its sounds, by its art, and by its festivals, than by its statistics. By listening to noise, we can better understand where the folly of men and their calculations is leading us…” 

A conceptualização de paisagem sonora formulada por Murray Schafer, continua a fazer cada vez mais sentido, ainda que tenham passado vinte e seis anos desde a publicação da versão original da obra The Thinking Ear. Durante mais de duas décadas foram constatados vários avanços propiciados pela revolução tecnológica, e a densidade das sonoridades urbanas acompanhou esse processo com a inegável intensificação do ruído envolvente. Mas se o aumento das sonoridades urbanas pode ser efectivamente comprovado, também o estado de constante “hipnose” dominante na sociedade, prova que esta não reage ao ruído, por já não saber viver sem ele. O silêncio emerge, neste contexto, como um tipo de som difícil de encontrar e de suportar. O mesmo acontece com o sussurro: “ninguém sussurra no centro da cidade.” (Schafer,1992: 233).
A psicologia do sussurro, tal como é evidenciada por Murray Schafer, caracteriza-o como informação privilegiada. O encantamento que circunda este tipo de som faz-me pensar na sua consequente adaptação ao jornalismo radiofónico. Da mesma forma que a incorporação do sussurro no início de uma obra pode despertar o interesse por parte do público, será que também a sua inclusão, na transmissão de uma qualquer mensagem radiofónica, pode captar melhor o ouvinte? Para a psicologia do sussurro a resposta parece ser irrevogavelmente afirmativa, mas em termos fisiológicos a intimidade natural deste tipo de som torna-o simultaneamente “escorregadio”, pela “falta de ressonância produzida pela vibração das cordas vocais.” (Schafer, 1992: 233).
Ainda que a aplicabilidade do sussurro a uma área como o jornalismo radiofónico seja questionável, a sua inexistência, no quotidiano daqueles que vivem nas grandes cidades, é facilmente perceptível, quando analisada num ambiente em que o barulho é constante e claramente convertido em ameaça. A poluição sonora nas sociedades industrializadas surge, assim, como um dos problemas da contemporaneidade, cuja intensidade aumenta continuamente, a par de “evidências recentes”, que mostram que o ser humano está a ficar “gradualmente surdo.”[1] (Schafer, 1992: 288). Uma surdez que ainda é parcial, mas que reflecte o ambiente sonoro de uma sociedade consumida pelo som, e na qual nada acontece na sua ausência.



[1] “Se ficarmos todos surdos, simplesmente não haverá mais música. Uma das definições de ruído é que ele é o som que aprendemos a ignorar. E como nós o temos ignorado por tanto tempo, ele agora foge completamente ao nosso controle.” (Schafer, 1992: 289).

domingo, 17 de junho de 2012

Indicialidade

A existência intemporal de diferentes significados, que surgem em contextos distintos, é um dos atributos que poderá ser conferido ao som, quando cruzado com a linguagem, num contexto radiofónico. 
A Etnometodologia e, mais precisamente, uma das suas preocupações – a Indicialidade – mostra a forma como os agentes sociais utilizam a linguagem, como uma espécie de mecanismo flexível e facilmente adaptável, que permite uma interacção complexa a cada palavra proferida, sem deixar de sublinhar os diferentes sinais, que podem ser expressos através de determinadas componentes semânticas. 
De acordo com Bar-Hillel, por exemplo, mais de 90% dos sinais-proposição declarativos, produzidos por uma pessoa, são o resultado das tais “expressões indiciais”:
«É claro que muitas frases com verbos no passado são indiciais, para já não mencionar que contêm termos como eu, tu, aqui, aí, agora, ontem e isto»[1].
 (Bar-Hillel, 1970, p.76)
Ter em consideração as redes de significação que são estabelecidas por intermédio dos signos linguísticos, é um dos aspectos contemplados na desconstrução das “expressões indiciais”, e pode estar na génese da análise das especificidades do som, ou até do processo de configuração da dicção colocada pelos locutores de rádio. 
Neste contexto, a Etnometodologia funciona como uma corrente fundamental, quando associada à significância da discursividade sonora, até porque, da mesma forma que os jornalistas de rádio utilizam a linguagem comum para comunicar com os ouvintes, também os etnometodólogos descrevem e interpretam a realidade social, a partir dos recursos linguísticos mais simples que o homem “de todos os dias” utiliza nas narrativas quotidianas. 
Esta analogia parece fazer sentido, principalmente quando se parte do pressuposto que a escolha dos etnometodólogos, por uma análise da linguagem comum, reflecte não só a espontaneidade das relações sociais, mas também o seu sentido “efectivo”, ou seja, desprovido de “comportamentos postiços” que possam indiciar falsas interpretações.


[1] Bar-Hillel,Yehoshva. (1970) «Indexical Expressions», in Aspects of Language, Jerusalém, p.76 – Citado por: Giddens, Anthony. (1996) «Novas Regras do Método Sociológico», Lisboa, Gradiva.  

Realidade Distorcida


 “…a atitude natural não presume a suspensão na crença da realidade material e social, mas antes o oposto, a suspensão da dúvida de que algo é uma coisa diferente daquela que aparenta ser”[1](Shutz, 1967, p.229)

Esta ideia, de que “algo é uma coisa diferente daquela que aparenta ser”, mostra que a multiplicidade de significados, característica do comportamento humano, resulta da sua procura constante em “tornar o mundo natural inteligível” (Giddens,1996, p.95). Uma procura que não é inocente, mas que tem como propósito desmistificar os quadros de significado, através dos quais é possível perceber os fenómenos enquanto esquemas explicativos, de uma realidade inevitavelmente distorcida pela percepção de cada um. 
É a mediação entre estes quadros de significado divergentes, que caracteriza uma das funções desempenhadas nas rotinas de produção dos jornalistas, e que poderá ser constituída, de acordo com Giddens, como um “problema hermenêutico”, até porque parece ser impossível ignorar o facto de a vida social ser produzida pelos actores que dela fazem parte. A constituição, e consequente reconstituição, de quadros de significado é uma forma que os indivíduos têm para organizar a experiência na vida de todos os dias, e esse facto parece ser evidente quando aplicado ao mundo do jornalismo, em que a teoria de framing não pode estar dissociada da construção de uma realidade, convertida posteriormente, em fragmento noticioso.


[1] Shutz, Alfred. (1967) «On Multiple Realities», in Colleted Papers, vol. 2, Haia – Citado por: Giddens, Anthony. (1996) «Novas Regras do Método Sociológico», Lisboa, Gradiva, p.42.  
[2] Giddens, Anthony. (1996) «Novas Regras do Método Sociológico», Lisboa, Gradiva.  

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Psicoterapia


Avaliar as áreas emocionais e sociais que afectam a vida de um determinado indivíduo, e perceber de que forma é que as experiências do passado podem condicionar a criação do presente, são dois dos pilares que orientam…a psicoterapia.

***

Resgatar os laços de um passado sem retorno… e desatar os nós de um presente que não podia ser de outra maneira, foi uma das últimas viagens…da Filipa – Uma viagem de ida mas com data marcada… para voltar.



Para ouvir o suporte sonoro desta reportagem, clique aqui.

terça-feira, 1 de maio de 2012

(Im)pressão


“O Eu só se substancializa pela mediação do público (…) os actores de teatro por melhor que saibam os seus papéis e por mais vezes que os tenham representado com sucesso têm sempre medo; o que não é mais do que reconhecer obscuramente o peso decisivo de cada público na substancialização do papel apresentado”[1] (Herpin, 1982, p.80).

A projecção de uma determinada impressão e a sua posterior interpretação, constituem os dois momentos fundamentais ao longo de um qualquer processo de interacção social, que não pode estar dissociado do seu carácter eminentemente simbólico.  Cada actor é responsável pela gestão da sua apresentação pública, pertencendo à audiência o papel de a “condenar” ou “consagrar”.
Neste contexto, a linguagem assume, mais uma vez, um papel preponderante no que diz respeito aos seus processos de comunicação e de mediação, até porque, ainda que inserido numa situação de silêncio, um actor nunca deixa de transmitir uma determinada impressão. Esta questão parece ser significativa, quando se admite a possibilidade das performances corporais e gestuais, assumirem uma posição privilegiada nas interacções e nas formas de comunicação não-verbal.
No entanto, a interpretação da impressão não depende apenas da representação, mas também dos tais “portadores” ou “indícios” de informação mencionados por Goffman em “A apresentação do Eu na vida de todos os dias”, que permitem perceber a relação que poderá ser estabelecida entre a aparência e o estatuto sócio-económico de um actor, por exemplo. A valoração positiva ou negativa que cada actor faz dos estereótipos, que se encontram intimamente associados a determinados papéis sociais, explica a selecção que antecede a escolha dos papéis a que se propõem representar.

«A nossa vida social decorre sobretudo portas adentro»[2]
(Goffman, 1993, p. 285)


[1] Herpin, Nicolas. (1982) «A Sociologia Americana», Porto, Edições Afrontamento.
[2] Goffman, Erving. (1993) «A apresentação do Eu na vida de todos os dias», Lisboa, Relógio d’Água Editores.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Diário Metafísico

Fotografia por Delfim Machado

Perceber como é possível adormecer acordado, ou acordar dentro de um sonho, são algumas das questões exploradas, em Diário Metafísico – Um solo de investigação, iniciado há sete anos pelo coreógrafo e bailarino português, Pedro Ramos.

Empurrar o chão, ou ceder ao chão, são os dois movimentos corporais, utilizados ao longo desta peça, para representar a relação do consciente e do inconsciente, no corpo de uma personagem assaltada por uma realidade, que parece não conseguir controlar.
(...)
Diário Metafísico – uma viagem pelos contornos de uma realidade indefinida, e que está em cena até ao dia 29 de Abril, no Teatro da Trindade, em Lisboa.

Para ouvir o suporte sonoro da entrevista feita a Pedro Ramos, clique aqui.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Formidável Bigode


Formidável Bigode é o mote do mais recente espectáculo do actor e humorista português, Marco Horácio. 

Através de uma peça que sugere um genérico de paracetamol para a crise, Marco Horácio volta a dar voz à personagem inspirada no típico fadista dos bairros lisboetas, Rouxinol Faduncho.

“Dar um bigode à crise” é o desafio proposto pela personagem interpretada por Marco Horácio, que acredita que o queixume não é o ingrediente certo para fazer face à actual crise.

Um espectáculo em cena, entre 12 e 13 de Abril, no Auditório dos Oceanos, do Casino Lisboa.

(...)

Para ouvir o suporte sonoro da entrevista feita a Marco Horácio, clique aqui.

quinta-feira, 29 de março de 2012

Ilusão (In) Autêntica

«Nada do que é, na medida em que aparece, existe no singular; tudo o que é está destinado a ser percebido por alguém» 
(Arendt, 1999, p.20)

Mais uma vez. 
Permitiu-se alhear do mundo, sem ser capaz de o deixar ou de o transcender. Voltou a rever as imagens que o atormentavam há anos. Até hoje, não conhecia aquelas vozes, nem conseguia estabelecer qualquer tipo de associação entre o seu passado e o seu presente. As mesmas imagens continuavam a condicionar as sombras de um futuro incerto, sem que nada pudesse fazer para alterar o rumo dos acontecimentos.
Tinha medo. Mesmo sabendo, que o seu fundamento racional podia propiciar os meios para evitar um qualquer perigo iminente.


De regresso ao mesmo mundo, continuou a “ser como queria aparecer”. Continuou a simular, a enganar intencionalmente e a iludir quem o ouvia. No fundo, era esta a lógica da “mundaneidade das coisas vivas”[1](Arendt, 1999, p.28).
Não sabia se aquelas imagens correspondiam a simples miragens, que desapareciam quando examinadas mais de perto, ou se permaneciam inerentes a uma condição da qual não podia fugir. Ainda assim, estava disposto a pagar um preço alto pela ilusão da sua própria aparência, mesmo sabendo que os erros de uma auto-apresentação, eram tão inevitáveis como as propriedades evidenciadas pela auto-mostração.


[1] «A mundaneidade das coisas vivas significa que não existe nenhum sujeito que não seja também um objecto e não apareça como tal a uma outra criatura, que garanta a sua realidade objectiva».

Arendt, Hannah. (1999), «A Vida do Espírito: Volume I – Pensar», Lisboa, Instituto Piaget.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Valor (de) Verdade

«Procuro despir-me do que aprendi | Procuro esquecer-me do modo de me lembrar que me ensinaram | E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos, | Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras, | Desembrulhar-me e ser eu»
Alberto Caeiro
Nove anos depois, voltou a ouvir o som dos bombardeamentos.
De olhos postos no reflexo de um espelho antigo, foi impossível interromper a fluidez de um passado aparentemente ultrapassado. Recordou as vozes dos soldados; a dimensão dos seus passos; o medo que sentiu ao ver a própria vida presa por um fio; os murmúrios nervosos e ambíguos, de quem defendia o seu país, sem nunca esquecer quem nele tinha deixado.
De olhos fechados lutou. Mais uma vez. Sem saber muito bem o porquê de o fazer. Tinha plena consciência de que aquelas imagens eram parte integrante da sua própria identidade. Uma identidade complexa, fruto de uma (re)construção permanente e, claramente, condicionada pelos esquemas de pensamento e de acção de um passado inevitavelmente interiorizado.
Interpretar a coexistência de uma realidade com os enclaves da percepção na qual se aventurou, foi o desafio ao qual se propôs.


*
Relatar mundos de significação teóricos, estéticos ou religiosos é uma tarefa cada vez mais complicada, principalmente para quem procura descrever a realidade com rigor, ou até para quem continua a acreditar que o conceito de “valor” existe ontologicamente, quando a sua existência é apenas fenomenológica.

Os alicerces do conhecimento, na vida quotidiana, são frágeis e o conceito de “verdade”, neste contexto, é cada vez mais vago. Para Jurgen Habermas, por exemplo, “o conhecimento verdadeiro só é possível em relação às condições transcendentais da representação simbólica, e já não em relação ao que é representado” [1] (Habermas, 1998, p.7).

Transferir o estatuto da verdade, do ontológico para o discursivo, evidencia a sua inacessibilidade, de forma directa, ainda que ele continue a existir através do texto. Trata-se de um estatuto de verdade construído pelo sujeito, e expresso através do discurso estruturante da concepção do real. Uma concepção, cujo carácter puramente arbitrário e convencional, permanece intrinsecamente associado, à visão que cada um tem do universo.
Mas afinal, qual o verdadeiro sentido das palavras? 
Que “valor de verdade” legitima o domínio impreciso da subjectividade?
*
«No mundo, tudo é como é, e acontece como acontece. Dentro dele não há valores, e se houvesse, seriam não valores»[2]
(Wittgenstein, 1922, p.183)


[1] Habermas, Jurgen. (1998). «On the logic of the social sciences», Cambridge, Polity Press
[2] Wittgenstein, Ludwig. (1922), «Tractatus Logico-Philosophicus», Londres, Trubner & Co.

domingo, 4 de março de 2012

Entre Lados


No palco as coisas que se mostram são simuladas; na vida, provavelmente, as coisas que surgem são reais e nem sempre foram bem ensaiadas. 
(Goffman, 1993, p. 9)[1]



[1] Goffman, Erving. (1993) «A apresentação do Eu na vida de todos os dias», Lisboa, Relógio d’Água Editores.

Confusão. Era tudo o que sentia. Por mais que se empenhasse em emergir de um mundo que não era o dele, a voz do impulso conseguia ser sempre mais forte. Mostrava-se nu diante de uma realidade aleatória que, no fundo, não conhecia.
Naquela noite mergulhou na própria sombra. Vagueou na pele de uma ‘terceira pessoa’ e questionou cada gesto, cada palavra, cada expressão.
Era tudo tão vazio.
*
A evidência de que o papel social do indivíduo não se impõe do “exterior”, mas resulta de uma progressiva adaptação, no decurso da qual ele participa de uma forma activa, confirma o fenómeno proposto por Erving Goffman, ao longo da Obra «A apresentação do Eu na vida de todos os dias». O maior interesse da analogia estabelecida pelo autor, relativamente à análise dramatúrgica da vida social, reside na forma como dois indivíduos, em situações concretas, ajustam os seus comportamentos, em função das suas expectativas recíprocas.
Neste sentido, a grande questão que se impõe ao longo da Apresentação do Eu na vida de todos os dias, prende-se com a necessidade de tentar perceber de que forma é que os indivíduos desempenham e redefinem constantemente, um determinado papel social, em cada contexto de interacção, ao invés de se limitarem a uma representação meramente mecânica. Ainda que, em determinadas situações, os indivíduos possam assumir um certo distanciamento relativamente a um qualquer papel social, na realidade, o seu desempenho nunca é completamente ‘inocente’.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Que Sentido de Objectividade?

“Um texto, uma vez separado do seu autor e das circunstâncias concretas da sua enunciação, flutua no vácuo de um leque potencialmente infinito de interpretações possíveis”. (Eco, 1992, p.41)[1]


[1] Eco,Umberto. (1992) Interpretation and Overinterpretation, 1ª ed. Cambridge, Cambridge University Press.


De que forma é que a reconstrução discursiva do real poderá ser objectiva, subjectiva, ou até, intersubjectiva?

A ideia de que não existe um sentido preciso na análise de qualquer texto, e de que as palavras denotam significados diferentes para quem as lê ou ouve, foi uma temática desenvolvida no que diz respeito ao estudo sobre o discurso. A certeza de que a linguagem tem uma estrutura específica e de que o estabelecimento do seu real valor depende da relação existente entre as palavras e a sua estrutura, foi um dos conceitos introduzidos por Ferdinand Saussure, na sua Obra Cours de Linguistique Générale:

“A língua é um sistema no qual todos os termos são solidários e o valor de cada um só resulta quando na presença simultânea dos outros.” (Saussure, 1995, p.159)[1]

A evidente incapacidade das palavras em expressarem o real e o duplo significado, que cada pontuação ou expressão podem ter, em virtude da forma como são percepcionados por culturas distintas, mostra que o apelo a um jornalismo objectivo já não faz sentido, quando se visa fazer acreditar que os factos falam por si, e que os jornalistas se limitam ao seu relato de uma forma imparcial, quando isso, na realidade, não acontece.
Em 1948, David Krech e Richard Crutchfield estabeleceram o conceito de que a percepção é funcionalmente selectiva e que a apreensão das manifestações do real está sujeita a um elevado grau de distorção:

“Ninguém capta tudo o que existe ‘lá fora’ (…) as pessoas organizam cognitivamente a percepção em função de determinados estímulos, que incluem as suas necessidades, o seu estado de espírito, e a sua cultura.” (Kretch e Crutchfield, 1977, p.242)[2]

Ainda que pareça claro, que a percepção de cada indivíduo, influencia directamente a sua forma de apreender o real, é interessante pensar no princípio que fundamenta a ideia de objectividade, o qual advoga que a separação dos factos dos valores, e as informações das opiniões, constitui o percurso certo para chegar à verdade e à descrição dos acontecimentos de uma forma distanciada. No entanto, se por um lado o distanciamento e a imparcialidade, característicos da objectividade jornalística, poderão servir como forma de credibilizar uma qualquer componente discursiva, a verdade é que também a falta de rigor inerente às estruturas discursivas tem a sua origem no carácter arbitrário e convencional da língua. 


Para Émile Benveniste, por exemplo, “o fundamento da subjectividade está no exercício da língua”, sendo que, “é na linguagem que o homem se constitui como sujeito, porque só a linguagem funda a realidade, na sua realidade que é a do ser” (Benveniste, 1973, p. 259-262).[3]


Afinal, que moral de objectividade? Qual o 'verdadeiro chão' da realidade?


[1] Saussure, Ferdinand. (1995) Cours de Linguistique Générale, 4ªed. Paris, Éditions Payot & Rivages.
[2] Kretch, David e Crutchfield, Richard. (1977) «Perceiveing the World» in Wilbur Schramm e Donald Roberts, The Process and Effects of Mass Communication, Urbana, Illinois University Press.
[3] Benveniste, Émile. (1973) Problèmes de Linguistique Générale. 1ªed. Paris, Éditions Gallimand.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Fragilidade de um Pensamento Desamparado





Nasci estrangeiro neste mundo.
Não compreendo as vozes, os olhares, os gestos. O porquê de os comportamentos padronizados serem bem aceites, e tudo aquilo que destoa ser declinado.






«É um problema de compreensão», dizes tu. Hannah Arendt afirmou o mesmo: «Compreender engendra profundidade, não engendra sentido».
Talvez seja por isso que não encontro, neste mundo, a minha pátria. A minha casa. O meu lugar.
Vivo na superfície. Incapaz de admitir a possibilidade de uma qualquer reconciliação. Sem vontade de reconhecer a realidade premente que me assola todos os dias.
Uma realidade que às vezes não sei sequer se vale a pena tentar compreender, mas que procuro pensar a sós, como se quisesse entender a minha própria solidão.
Falam-me em singularidade. Chamo-lhe fragilidade. 
Miguel

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Júlio de Matos

Eu não falo sozinho. Eu falo comigo mesmo

Júlio de Matos. 

Um homem desempregado e perdido num mundo em que as vozes dos seus EUS são a plataforma para uma evidente crise de comunicação. É no âmbito deste conflito de personalidades, que se desenvolve o monólogo interpretado por Joaquim Monchique, em cena no Teatro Armando Cortez, em Lisboa.

No sentido de retratar a sociedade portuguesa integrada na conjuntura actual, Joaquim Monchique afirma que Júlio de Matos surge como um aviso, ainda que, inserido num registo cómico que começa por fazer rir, mas que acaba por fazer pensar.

Para ouvir o suporte sonoro da entrevista feita a Joaquim Monchique, clique aqui.

sábado, 21 de janeiro de 2012

A Sonoplastia - Entrevista

«A questão passa por mantê-lo pendurado, agarrado pela mão: anda cá que vais ouvir até ao fim!»

1. Como é para si captar o ouvinte através do som?

Captar o ouvinte é muito complicado. O ouvinte de rádio é uma pessoa completamente passiva, não presta atenção nenhuma ao que está a ouvir. É algo que lhe faz companhia. Nós dizemos que a TV faz muita companhia às pessoas. A rádio, actualmente, quase que só é ouvida no carro. Portanto, eu faço rádio, praticamente, para as pessoas que estão presas em filas, no trânsito. O que é fácil porque, em Lisboa, há filas quase a todas as horas, mas é muito difícil captar-lhes a atenção.
Porquê? Porque ele vai preocupado com a velocidade a que vai, qual a distância relativamente ao carro da frente. Vai a pensar no trabalho, na família, nos problemas que tem com isto e com aquilo, e ao mesmo tempo ainda está a ouvir rádio. A pessoa está a fazer uma espécie de multitasking, o que significa que, para lhe captarmos a atenção, a coisa tem que ser muito boa, ou então tem que corresponder aos interesses dele.


2. Em que medida é que o trabalho de um sonoplasta pode inverter a passividade de um ouvinte?

Ora… Eu, basicamente, sou um pintor. Eu pinto o quadro de fundo onde as personagens principais se deslocam. Em grande parte da rádio, o nosso trabalho passa por um cuidado estético, a nível das escolhas musicais, e no dinamismo quanto à selecção de programas.
Eu gosto daquilo que faço. Acho que é muito difícil chamar as pessoas à atenção. Com programas como os do Bruno Nogueira, se utilizarmos o barulho de uma corneta para complementar o texto do Bruno, acho que isso contribui para chamar a atenção do ouvinte. Mas a minha colaboração é muito pequena. A minha colaboração passa essencialmente por: o tema chama o ouvinte e a minha montagem, o dinamismo, e as sensações que procuro passar, quer através de música, essencialmente, quer através de alguns efeitos, fazem com que a pessoa ‘não desligue’.
A questão passa por mantê-lo pendurado, agarrado pela mão: anda cá que vais ouvir até ao fim! Não vais desligar! Ficaste por aqui, portanto agora ficas até ao fim! (risos)


3. Qual o segredo de uma boa sonoplastia?

Sensibilidade e bom senso. Sensibilidade porque é preciso por vezes não empolar a situação. Se a coisa é muito trágica eu não vou carregá-la com uma música demasiado melancólica, porque senão vamos ter uma sonoplastia parecida com a da TVI.
Já estamos muito mal. Portanto, a senhora perdeu o bebé, é coxa, e alvo de pancadaria por parte do marido. Ora, se eu carregar isso, com o som de umas chapadas e uma música trágica, se calhar aquilo fica ‘de fazer chorar quem ouve’.

Se a situação já é má, e se nós ainda a tornamos pior, a coisa não corre bem. A minha ideia não é fazer com que ela perca a carga dramática. Ou seja, vamos lá aliviar isto e meter aqui um transe ou um tecno, e isto fica tudo fora do contexto. Não!
Quero que a música sirva, para pensar, sem ser triste. E, por outro lado é o dinamismo, que não podemos descurar. É importante não esquecer as partes mais relevantes da história. Se a pessoa já está a dizer a mesma coisa por outras palavras, há muito tempo, há a possibilidade de o ouvinte desligar. E esse também é um dos trabalhos do sonoplasta. Quando achamos que a pessoa está a dizer o mesmo, mas por outras, palavras: corta!


4. Tem algum método específico para actualizar o seu trabalho?

Tento ver o que os outros fazem em todos os campos. Por exemplo, agora tenho ido pouco ao cinema e condeno-me muito por isso. Tenho tido menos disponibilidade e, quando tenho disponibilidade, não tenho paciência. Tenho pena de ir pouco ao cinema, de estar a ver pouco teatro. Não é que tenha visto muito mas sempre vi alguma coisa. Tenho pena de sair menos à noite, essencialmente para zonas como o Bairro Alto, onde existe um mix de culturas, e tu podes perceber um pouco para onde é que nós estamos a ir, até a nível musical. E tu agora perguntas: mas como é que aplicas isto tudo na TSF? Se calhar não aplico objectivamente nada, mas fico com novas pistas, novas ideias, que me podem, mais tarde, ajudar a encontrar soluções.


5. Considera que existem diferenças significativas entre o trabalho de um sonoplasta hoje e o trabalho de um sonoplasta antigamente?

Sim. Antigamente era muito mais complicado. Eu lembro-me que, para se fazer uma mistura, nós tínhamos que ter três leitores de bobinas, lado a lado – que eram coisas gigantescas e pesadas – tínhamos que lançar o som numa delas, fazer play numa e depois play na outra.
Agora é diferente e, por sinal, bem melhor. Agarro no segmento, coloco-o no sítio. Antigamente não. Para além disso é de notar também a perda de qualidade que existia no produto. Cada vez que fazemos uma cópia da cópia, estamos a perder qualidade (no caso da fita magnética). O que agora não acontece.
Isto significa que, actualmente, é muito mais fácil ser sonoplasta. Mas muito mais fácil. E a qualidade do trabalho é muito melhor.


6. Como é que sente que as novas tecnologias podem condicionar a captação de som?

Muito. Os novos gravadores são exemplo disso. Nota-se um salto gigantesco, a nível de qualidade, nos gravadores digitais. Por exemplo, os gravadores da TSF e do CENJOR, e refiro-me a estes porque são os que conheço, permitem uma captação de som, no exterior, como nunca foi possível antes. Actualmente, o próprio aparelho, que levas para o exterior, permite captar o som em monodireccional, que apanha todo o campo, permite um cardióide preciso, que se for bem colocado, tem uma definição impecável da voz. O salto tecnológico é gigantesco. Os sons são reais. E tiram tudo aquilo que era mau. O típico ‘tsssssss’, das cassetes, já nem existe.
Imagina: vais captar um ambiente de passarinhos. Tu tens no teu equipamento digital um botãozinho, que te pode colocar o microfone de alta sensibilidade, para captares sons que são baixos, por natureza. Portanto, tens o microfone certo, logo para aquele momento. E isso é formidável.


7. O que é que entende por sonoplastia e qual o tipo de sonoplastia com a qual trabalha?

Eu trabalho um pouco de todas. Faço a mais básica, que é a edição de voz, faço aquela em que tento criar sensações, que é quando estou a montar, por exemplo, uma grande reportagem – e aí tento que as pessoas acreditem naquilo, que o som provoque nelas alguma coisa. Às vezes com uma pausa isso é possível. Imagina que estamos no meio de uma história muito agitada e queremos um momento de calma. Transmitimos cerca de três/quatro segundos de silêncio. E aqueles três/quatro segundos dão-nos algum tempo para pensar, e às vezes precisamos desse tempo para nos colocarmos no lugar do ouvinte. O que é que o ouvinte pensa, quando está a ouvir um determinado produto?


8. Qual o desafio mais complicado para um sonoplasta?

Começar. Começar é terrível. Porque, imagina: um jornalista quando entra em estúdio, esteve no terreno, soube as perguntas que queria fazer, falou com as pessoas, etc. Ora, quando chega ao estúdio de produção e despeja tudo aqui para dentro, eu vou começar a agarrar nisto sem fazer a mínima ideia do que é que tenho em mãos. Este é o pior momento. Portanto, aquele momento em que vou agarrar a primeira voz, e ouvir o primeiro RM é, sem dúvida alguma, o pior momento. Porque eu não faço ideia do que é que aqui está. Não sei se é bom ou mau. E tenho que me aperceber rapidamente porque depois temos o problema do tempo. E o tempo é que manda. Eu não posso estar três dias a pensar sobre isto.


9. Já se sentiu, de alguma forma, incomodado pelo som?

Nós estamos rodeados de som o tempo todo, até demais. A música dá-nos cabo da cabeça, porque temos música em todo o lado: no centro comercial, dentro das lojas… Aliás, dentro das lojas, às vezes, até parece que estamos numa discoteca. Acabava com isso tudo. Tirava a música da maior parte dos sítios até porque o facto de nos encherem a cabeça de música faz com que não a apreciemos da melhor forma, por estarmos tão cheios dela.


10. A rádio pode sobreviver sem sonoplastia?

Claro que pode. Se é uma rádio melhor? Não.
As rádios de música, por exemplo, vivem sem sonoplastia. É só música, à excepção dos spots de publicidade, ou quando entra o nome da estação com qualquer coisa por baixo. Tudo isso é sonoplastia.
A sonoplastia tem várias vertentes. Há uma vertente de promoção, uma vertente que permite criar sensações, uma vertente destinada a credibilizar aquilo que estamos a dizer… Mas ela está presente em quase todas as rádios.

A Sonoplastia - Introdução




Ausência de silêncio.


É neste sentido que Herlander Rui, um dos sonoplastas da TSF, define o som.






Mas de que forma é que o próprio silêncio pode comunicar com os ouvintes? 
Em que medida é que a linguagem sonora pode ‘valer’ única e exclusivamente por ser o que é?
Através de uma breve entrevista, Herlander Rui expõe os obstáculos que caracterizaram a sonoplastia num passado relativamente próximo, sem deixar de explicar quais os mecanismos que utiliza para captar o ouvinte, e de que forma é que a sensibilidade de um sonoplasta pode interferir na transmissão de significados distintos.
Há quem diga que ‘a rádio é o chegar lá’. Estará a expressão desta citação, intimamente ligada com a essência primordial da sonoplastia?

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Vozes





IsabelQuero o mundo inteiro, nos braços. Posso?

MiguelExperimenta pousá-lo no chão. Tenta pisar a realidade. Sente o peso das fragilidades. O medo das perdas. Aquelas que motivam a adesão ao eterno e que justificam uma infelicidade, tantas vezes, egocêntrica.




Mãe do CantoQuando olho para trás, lembro-me da criança que fui. Da vontade que tive de viver tudo de um só sopro. Sem medos. Agora resta a quietude. A certeza de que o mundo é demasiado pesado para o trazer nos meus próprios braços, e de que a realidade magoa, para que me possa dar ao luxo de a sentir na ponta dos pés.

A Isabel, o Miguel, a Mãe do Canto. Três vozes. Três estórias. Três gerações distintas.
Que moral? A tua.