sábado, 21 de janeiro de 2012

A Sonoplastia - Entrevista

«A questão passa por mantê-lo pendurado, agarrado pela mão: anda cá que vais ouvir até ao fim!»

1. Como é para si captar o ouvinte através do som?

Captar o ouvinte é muito complicado. O ouvinte de rádio é uma pessoa completamente passiva, não presta atenção nenhuma ao que está a ouvir. É algo que lhe faz companhia. Nós dizemos que a TV faz muita companhia às pessoas. A rádio, actualmente, quase que só é ouvida no carro. Portanto, eu faço rádio, praticamente, para as pessoas que estão presas em filas, no trânsito. O que é fácil porque, em Lisboa, há filas quase a todas as horas, mas é muito difícil captar-lhes a atenção.
Porquê? Porque ele vai preocupado com a velocidade a que vai, qual a distância relativamente ao carro da frente. Vai a pensar no trabalho, na família, nos problemas que tem com isto e com aquilo, e ao mesmo tempo ainda está a ouvir rádio. A pessoa está a fazer uma espécie de multitasking, o que significa que, para lhe captarmos a atenção, a coisa tem que ser muito boa, ou então tem que corresponder aos interesses dele.


2. Em que medida é que o trabalho de um sonoplasta pode inverter a passividade de um ouvinte?

Ora… Eu, basicamente, sou um pintor. Eu pinto o quadro de fundo onde as personagens principais se deslocam. Em grande parte da rádio, o nosso trabalho passa por um cuidado estético, a nível das escolhas musicais, e no dinamismo quanto à selecção de programas.
Eu gosto daquilo que faço. Acho que é muito difícil chamar as pessoas à atenção. Com programas como os do Bruno Nogueira, se utilizarmos o barulho de uma corneta para complementar o texto do Bruno, acho que isso contribui para chamar a atenção do ouvinte. Mas a minha colaboração é muito pequena. A minha colaboração passa essencialmente por: o tema chama o ouvinte e a minha montagem, o dinamismo, e as sensações que procuro passar, quer através de música, essencialmente, quer através de alguns efeitos, fazem com que a pessoa ‘não desligue’.
A questão passa por mantê-lo pendurado, agarrado pela mão: anda cá que vais ouvir até ao fim! Não vais desligar! Ficaste por aqui, portanto agora ficas até ao fim! (risos)


3. Qual o segredo de uma boa sonoplastia?

Sensibilidade e bom senso. Sensibilidade porque é preciso por vezes não empolar a situação. Se a coisa é muito trágica eu não vou carregá-la com uma música demasiado melancólica, porque senão vamos ter uma sonoplastia parecida com a da TVI.
Já estamos muito mal. Portanto, a senhora perdeu o bebé, é coxa, e alvo de pancadaria por parte do marido. Ora, se eu carregar isso, com o som de umas chapadas e uma música trágica, se calhar aquilo fica ‘de fazer chorar quem ouve’.

Se a situação já é má, e se nós ainda a tornamos pior, a coisa não corre bem. A minha ideia não é fazer com que ela perca a carga dramática. Ou seja, vamos lá aliviar isto e meter aqui um transe ou um tecno, e isto fica tudo fora do contexto. Não!
Quero que a música sirva, para pensar, sem ser triste. E, por outro lado é o dinamismo, que não podemos descurar. É importante não esquecer as partes mais relevantes da história. Se a pessoa já está a dizer a mesma coisa por outras palavras, há muito tempo, há a possibilidade de o ouvinte desligar. E esse também é um dos trabalhos do sonoplasta. Quando achamos que a pessoa está a dizer o mesmo, mas por outras, palavras: corta!


4. Tem algum método específico para actualizar o seu trabalho?

Tento ver o que os outros fazem em todos os campos. Por exemplo, agora tenho ido pouco ao cinema e condeno-me muito por isso. Tenho tido menos disponibilidade e, quando tenho disponibilidade, não tenho paciência. Tenho pena de ir pouco ao cinema, de estar a ver pouco teatro. Não é que tenha visto muito mas sempre vi alguma coisa. Tenho pena de sair menos à noite, essencialmente para zonas como o Bairro Alto, onde existe um mix de culturas, e tu podes perceber um pouco para onde é que nós estamos a ir, até a nível musical. E tu agora perguntas: mas como é que aplicas isto tudo na TSF? Se calhar não aplico objectivamente nada, mas fico com novas pistas, novas ideias, que me podem, mais tarde, ajudar a encontrar soluções.


5. Considera que existem diferenças significativas entre o trabalho de um sonoplasta hoje e o trabalho de um sonoplasta antigamente?

Sim. Antigamente era muito mais complicado. Eu lembro-me que, para se fazer uma mistura, nós tínhamos que ter três leitores de bobinas, lado a lado – que eram coisas gigantescas e pesadas – tínhamos que lançar o som numa delas, fazer play numa e depois play na outra.
Agora é diferente e, por sinal, bem melhor. Agarro no segmento, coloco-o no sítio. Antigamente não. Para além disso é de notar também a perda de qualidade que existia no produto. Cada vez que fazemos uma cópia da cópia, estamos a perder qualidade (no caso da fita magnética). O que agora não acontece.
Isto significa que, actualmente, é muito mais fácil ser sonoplasta. Mas muito mais fácil. E a qualidade do trabalho é muito melhor.


6. Como é que sente que as novas tecnologias podem condicionar a captação de som?

Muito. Os novos gravadores são exemplo disso. Nota-se um salto gigantesco, a nível de qualidade, nos gravadores digitais. Por exemplo, os gravadores da TSF e do CENJOR, e refiro-me a estes porque são os que conheço, permitem uma captação de som, no exterior, como nunca foi possível antes. Actualmente, o próprio aparelho, que levas para o exterior, permite captar o som em monodireccional, que apanha todo o campo, permite um cardióide preciso, que se for bem colocado, tem uma definição impecável da voz. O salto tecnológico é gigantesco. Os sons são reais. E tiram tudo aquilo que era mau. O típico ‘tsssssss’, das cassetes, já nem existe.
Imagina: vais captar um ambiente de passarinhos. Tu tens no teu equipamento digital um botãozinho, que te pode colocar o microfone de alta sensibilidade, para captares sons que são baixos, por natureza. Portanto, tens o microfone certo, logo para aquele momento. E isso é formidável.


7. O que é que entende por sonoplastia e qual o tipo de sonoplastia com a qual trabalha?

Eu trabalho um pouco de todas. Faço a mais básica, que é a edição de voz, faço aquela em que tento criar sensações, que é quando estou a montar, por exemplo, uma grande reportagem – e aí tento que as pessoas acreditem naquilo, que o som provoque nelas alguma coisa. Às vezes com uma pausa isso é possível. Imagina que estamos no meio de uma história muito agitada e queremos um momento de calma. Transmitimos cerca de três/quatro segundos de silêncio. E aqueles três/quatro segundos dão-nos algum tempo para pensar, e às vezes precisamos desse tempo para nos colocarmos no lugar do ouvinte. O que é que o ouvinte pensa, quando está a ouvir um determinado produto?


8. Qual o desafio mais complicado para um sonoplasta?

Começar. Começar é terrível. Porque, imagina: um jornalista quando entra em estúdio, esteve no terreno, soube as perguntas que queria fazer, falou com as pessoas, etc. Ora, quando chega ao estúdio de produção e despeja tudo aqui para dentro, eu vou começar a agarrar nisto sem fazer a mínima ideia do que é que tenho em mãos. Este é o pior momento. Portanto, aquele momento em que vou agarrar a primeira voz, e ouvir o primeiro RM é, sem dúvida alguma, o pior momento. Porque eu não faço ideia do que é que aqui está. Não sei se é bom ou mau. E tenho que me aperceber rapidamente porque depois temos o problema do tempo. E o tempo é que manda. Eu não posso estar três dias a pensar sobre isto.


9. Já se sentiu, de alguma forma, incomodado pelo som?

Nós estamos rodeados de som o tempo todo, até demais. A música dá-nos cabo da cabeça, porque temos música em todo o lado: no centro comercial, dentro das lojas… Aliás, dentro das lojas, às vezes, até parece que estamos numa discoteca. Acabava com isso tudo. Tirava a música da maior parte dos sítios até porque o facto de nos encherem a cabeça de música faz com que não a apreciemos da melhor forma, por estarmos tão cheios dela.


10. A rádio pode sobreviver sem sonoplastia?

Claro que pode. Se é uma rádio melhor? Não.
As rádios de música, por exemplo, vivem sem sonoplastia. É só música, à excepção dos spots de publicidade, ou quando entra o nome da estação com qualquer coisa por baixo. Tudo isso é sonoplastia.
A sonoplastia tem várias vertentes. Há uma vertente de promoção, uma vertente que permite criar sensações, uma vertente destinada a credibilizar aquilo que estamos a dizer… Mas ela está presente em quase todas as rádios.

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