«Nada do que é, na medida em que aparece, existe no singular; tudo o que é está destinado a ser percebido por alguém»
(Arendt, 1999, p.20)
(Arendt, 1999, p.20)
Mais uma vez.
Permitiu-se alhear do mundo, sem ser capaz de o deixar ou de o transcender. Voltou a rever as imagens que o atormentavam há anos. Até hoje, não conhecia aquelas vozes, nem conseguia estabelecer qualquer tipo de associação entre o seu passado e o seu presente. As mesmas imagens continuavam a condicionar as sombras de um futuro incerto, sem que nada pudesse fazer para alterar o rumo dos acontecimentos.
Tinha medo. Mesmo sabendo, que o seu fundamento racional podia propiciar os meios para evitar um qualquer perigo iminente.
De regresso ao mesmo mundo, continuou a “ser como queria aparecer”. Continuou a simular, a enganar intencionalmente e a iludir quem o ouvia. No fundo, era esta a lógica da “mundaneidade das coisas vivas”[1](Arendt, 1999, p.28).
Não sabia se aquelas imagens correspondiam a simples miragens, que desapareciam quando examinadas mais de perto, ou se permaneciam inerentes a uma condição da qual não podia fugir. Ainda assim, estava disposto a pagar um preço alto pela ilusão da sua própria aparência, mesmo sabendo que os erros de uma auto-apresentação, eram tão inevitáveis como as propriedades evidenciadas pela auto-mostração.
[1] «A mundaneidade das coisas vivas significa que não existe nenhum sujeito que não seja também um objecto e não apareça como tal a uma outra criatura, que garanta a sua realidade objectiva».
Arendt, Hannah. (1999), «A Vida do Espírito: Volume I – Pensar», Lisboa, Instituto Piaget.